O presidente Jair Bolsonaro assinou na terça-feira, 15/01, Decreto que altera regras para facilitar a posse de armas de fogo – a possibilidade de o cidadão guardar o equipamento na residência ou no estabelecimento comercial de que seja dono. É a primeira medida do presidente em relação ao compromisso de campanha de armar a população, mas ele ainda tentará futuramente flexibilizar o próprio porte de armas.
“Como o povo soberanamente decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes garantir esse legítimo direito à defesa, eu como presidente vou usar essa arma”, disse Bolsonaro, dirigindo-se para assinar o decreto. “Essa é uma medida para que o cidadão de bem possa ter sua paz dentro de casa”, disse.
Entre as mudanças, foi ampliado o prazo de validade do registro de armas para 10 anos, tanto para civis como para militares, e houve a flexibilização no requisito legal de o interessado comprovar da “necessidade efetiva” para a obtenção da posse. Pelas novas regras, bastará argumentar que mora em cidade violenta, em área rural ou que é agente de segurança, para satisfazer o requisito, que era alvo de críticos do Estatuto do Desarmamento.
Na prática, cidadãos de todo o país terão esse requisito preenchido, pois o critério que define se a cidade é violenta é se a taxa de homicídios no Estado de residência é maior do que 10 a cada 100 mil habitantes, e na fonte de referência escolhida pelo governo – o Atlas da Violência do ano de 2018, com dados referentes a 2016 – todos os Estados superam essa taxa. As taxas mais baixas são 10,9, em São Paulo, e 14,2, em Santa Catarina.
Para requerer o equipamento, atualmente é preciso submeter o pedido a uma superintendência da PF, que faz uma análise sobre a necessidade e os demais requisitos. O objetivo do governo era impedir subjetivismo, ou seja, que diante de um mesmo fato as avaliações de autoridades pudessem ser diferentes. Com a mudança, a autoridade policial poderá simplesmente aplicar as regras de maneira objetiva.
“O grande problema que tínhamos na lei é a comprovação da efetiva necessidade”, disse Bolsonaro.
A validade de registro das armas será ampliada para dez anos tanto para os civis quanto para os militares. O Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA), administrado pelo Exército e que inclui a concessão de armas para caçadores e atiradores esportivos, previa o prazo de três anos. O Sistema Nacional de Controle de Armas (SINARM), que é o sistema voltado para a população em geral e é administrado pela Polícia Federal, previa cinco.
As exigências legais para a obtenção da posse de arma permanecem. O cidadão precisa ter mais de 25 anos, declaração de bons antecedentes, curso de tiro e teste psicotécnico.
Diferente do porte de armas, o direito à posse permite ao cidadão manter armamento em casa ou no local de trabalho, desde que seja o responsável legal pelo estabelecimento. As regras para obtenção do porte de armas, mais restritivas, continuam as mesmas. O porte permite ao cidadão carregar consigo a arma pelas ruas.
Iniciada no Ministério da Justiça, a construção do texto do decreto passou por várias modificações depois de chegar à Casa Civil. Alguns pontos previstos na minuta do decreto do Ministério da Justiça foram considerados restritivos por setores defensores do armamento da população, como a limitação de duas armas para cada pessoa. O número, então, foi ampliado para quatro armas.
Na legislação anterior se podia comprar 6 armas mas na prática não se podia nenhuma. Com a legislação atual se poderá comprar até quarta. Com a possibilidade se tiver de comprar mais armas tendo em vista o uso em propriedade rurais.
Outro ponto que sofreu resistência e deixou o texto exigia a existência de cofre em residências com crianças, adolescentes ou pessoa com deficiência mental, para “armazenamento apropriado” em caso de armas de cano curto. Em casa com armas de cano longo, precisaria ser comprovada a existência de um “local seguro para armazenamento”. Mas, nesse caso, essa previsão foi mantida.
“O cidadão vai ter que, em uma declaração, dizer que na sua casa ele tem um cofre ou local seguro para guardar sua arma”, disse o presidente.
Por outro lado, conforme o Estadão mostrou, ficou de fora um ponto que era defendido pelos setores armamentistas e pela bancada da bala na Câmara dos Deputados: a anistia para quem perdeu o prazo para recadastramento, que acabou em 2009. Embora o próprio Jair Bolsonaro é a favor dessa modificação, a conclusão da equipe jurídica é que essa medida demanda alteração legislativa, o que só poderia ser feito por meio de medida provisória ou de projeto de lei, portanto, em etapa posterior.
“Questão do recadastramento (anistia) poderá ser tratada e um outro momento provavelmente por medida provisória”, disse Bolsonaro.
O decreto presidencial é visto no governo como o primeiro – e mais importante – passo no compromisso de campanha de permitir que o cidadão exerça o direito de defesa. Em futuras etapas, Bolsonaro tentará flexibilizar o porte e facilitar as condições de compra de armamento.
Em 2018, o número de licenças destinadas a atiradores esportivos chegou à quantidade recorde de 45 mil – cinco por hora – e um crescimento de dez vezes nos últimos cinco anos. Já a PF concedeu 27 mil autorizações em 2018. Como o Estado mostrou no domingo, o crescimento no número de registro de atiradores pode ser um reflexo das buscas de quem teve a licença negada na PF.
Decreto divide opiniões na Câmara
O texto permite a aquisição de até quatro armas de fogo e dobra o prazo de validade do registro, que passa de cinco para 10 anos. O PT prepara um projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos do decreto
Bancada da segurança pública elogia enquanto PT anuncia recurso judicial contra decreto de Bolsonaro sobre posse de armas. O texto permite a aquisição de até quatro armas de fogo e dobra o prazo de validade do registro, que passa de cinco para 10 anos. A posse da arma é permitida em casa ou no local do trabalho, nos casos em que o dono da arma também é o responsável legal pelo estabelecimento comercial ou industrial. Ainda segundo o decreto, "presume-se a veracidade dos fatos e circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade" do uso da arma.
Integrante da Frente Parlamentar da Segurança Pública, o deputado Alberto Fraga, do DEM do Distrito Federal, argumenta que esse trecho acaba com o "subjetivismo" dos delegados da Polícia Federal, que vinham impedindo a concessão de novas posses de arma. Fraga afirma que o decreto não resolve os problemas de segurança pública do país, mas aumenta a proteção da sociedade.
"Você tira a certeza do marginal que, ao invadir as nossas casas, não haverá uma arma para defender a sociedade. Você não pode dar ao bandido a certeza de que a casa do cidadão esteja desguarnecida, que não há uma arma lá que possa fazer frente a ele, que vai invadir aquela casa com uma arma na mão".
Já o líder do PT, deputado Paulo Pimenta, do Rio Grande do Sul, denunciou "erros primários" e "irresponsabilidade institucional" no decreto de Bolsonaro. Ele critica, por exemplo, a permissão de posse de armas nas residências urbanas de unidades federativas com índice anual de mais de 10 homicídios por cem mil habitantes. Como todos os estados brasileiros têm índice superior a esse limite, Pimenta argumenta que, na prática, o decreto cria a possibilidade de "exércitos particulares" nas residências rurais e urbanas, inclusive com a posse de armas de grosso calibre. O PT prepara um projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos do decreto de Bolsonaro. O projeto será formalmente apresentado na retomada dos trabalhos legislativos, em fevereiro. Pimenta informou que, de imediato, o PT vai pedir a inconstitucionalidade do decreto junto ao Supremo Tribunal Federal.
"Extrapola as competências previstas na legislação ao Poder Executivo para regulamentar aquilo que a lei prevê. Invade competências do Poder Legislativo e, portanto, essa matéria não pode ser tratada por decreto. Quando ela estabelece critérios e o filtro dos critérios abrange todas as cidades, todos os estados e todas as pessoas, não tem critério. E também há uma carga enorme de subjetividade quando diz que são quatro armas, mas poderão ser adquiridas mais mediante solicitação que fundamente a necessidade de aquisição de mais armas. Isso mergulhará o país no caos da violência".
Por se tratar de decreto presidencial, o texto não altera o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03) nem se refere ao porte de arma, que se mantém com regras mais rígidas. Porém, Alberto Fraga acredita que a flexibilização do estatuto se mantém como item prioritário na pauta da Câmara.
"Com a base que hoje se formou no apoio ao presidente Bolsonaro e com o aumento da bancada da segurança pública, as possibilidades de votar essas matérias são muito grandes. Nós temos que votar não somente a flexibilização do Estatuto do Desarmamento como outros assuntos no campo da segurança pública".
A proposta que trata da flexibilização do Estatuto do Desarmamento está pronta para votação no Plenário da Câmara.