O ex-dirigente sindical Nelson Costa, o líder comunitário Wilson Cruz, o advogado Francisco José e a empreendedora Gerusa Menezes, que já foi até Rainha do Ilê, venceram as aparentes diferenças e se uniram em torno de uma candidatura coletiva do PT nestas eleições, fenômeno que tem ganhado cada vez mais importância a cada pleito.
“Somos pessoas que têm coisas em comum, com relação de companheirismo há algum tempo. A ideia é manter um diálogo permanente, ou seja, tudo ser combinado, desde o funcionamento do gabinete, como os projetos de lei e as emendas”, explica Costa, que pretende pautar a defesa dos Direitos Humanos na Assembleia Legislativa da Bahia.
O mandato coletivo não tem previsão legal e na prática funciona como um acordo informal entre seus integrantes. Embora a Legislação Eleitoral autorize menção ao grupo na composição do nome da candidata ou candidato que vai ser registrado e aparecer na urna eletrônica, a candidatura continua sendo individual.
“Juridicamente é como outra qualquer. Então, oficialmente, é um candidato só. Os outros não compõem efetivamente como candidatos. Se esse cabeça de chapa, digamos assim, morre ou renuncia, não é outro membro do mandato coletivo que vai assumir o lugar, mas o suplente”, alerta Jaime Barreiros, professor de Direito da UFBA e servidor do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia.
Nelson Costa foi dirigente sindical da base dos trabalhadores da indústria química nos anos 1990 e até pouco tempo atuava no cerimonial do governador Rui Costa. Ele será o candidato oficial do seu grupo e conta que todas as decisões e ações do mandato como deputado estadual serão divididas.
“Na hora do voto, quem vota sou eu, mas os companheiros vão estar no plenário, participando, dialogando sobre os critérios na hora de votar. Ou seja, não vamos tratar entre nós como se eu fosse o deputado, mas como se fôssemos quatro deputados”, diz Costa.
O compartilhamento da gestão também pretende ser o norte da candidatura coletiva formada por Lisdeili Nobre, Dulce Aquino e Rosângela Cidreira, fruto da federação PSOL/Rede.
As três são professoras em diferentes áreas da produção acadêmica, mas parecem se completar. “Foram esses alinhamentos na construção de políticas que nos uniu”, conta Lisdeili, cujo nome vai ser registrado oficialmente como candidata a deputada federal para representar o trio.
Ela é delegada e professora de Direito Penal. Mineira, mora desde 2003 em Ilhéus, Sul da Bahia. Agora, na Câmara Federal, Lisdeili quer discutir políticas públicas para priorizar ações nas áreas de cultura e educação e combater o encarceramento em massa, sobretudo, de jovens negros.
“Eu serei a deputada no papel, no púlpito, mas dentro do gabinete estará funcionando uma gestão compartilhada. Várias pessoas fazem parte dessa campanha. E, uma vez eleitas, nós três vamos ocupar o gabinete”, destaca.
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Francisco José, Gerusa Menezes, Nelson Costa e Wilson Cruz (ao centro) formam a candidatura coletiva do PT
Apesar de a candidatura coletiva ser uma grande oportunidade de engajamento e possibilitar uma mudança de perspectiva na representação política, nem tudo são flores.
O cientista político Sérgio Praça, professor e pesquisador da FGV CPDOC, alerta para o desafio que este tipo de candidatura tem em manter a unidade e estabilidade durante o exercício do mandato.
“São candidaturas complicadíssimas, porque na verdade só uma pessoa pode assumir o mandato. Não dá para revezar. É difícil que duas, três ou quatro pessoas concordem com tudo e surgem disputas e questões que não se esperam e elas não sabem como agir dentro de um mandato coletivo. Então, pode ser um mandato cheio de conflitos. Esse risco é imenso, como a gente já viu dando errado”, explica.
Um dos casos que mais chamaram atenção aconteceu na Assembleia Legislativa de São Paulo. O coletivo “Mandata Ativista’, eleito em 2018, enfrentou turbulências após discordâncias internas. No ano passado, a titular do mandato, a deputada Mônica Seixas (PSOL-SP), destituiu uma das integrantes das atividades no gabinete, abrindo uma série de polêmicas que terminou com o seu pedido de afastamento para tratar a saúde mental. Ela acabou sendo substituída pelo suplente, sem nenhuma ligação com o grupo.
Lisdeili, que se candidata pela primeira vez a um cargo eletivo nas eleições deste ano, sabe que o descompasso das opiniões numa candidatura coletiva pode ser um problema a ser enfrentado. Mas, ela diz que o trio está preparado para vencer as adversidades.
“Se isso não ficar bem ajustado, você pode ter vários problemas. O poder cega os olhos e enche a pessoa de ganância. Isso [candidatura coletiva] tem que ser feito por pessoas que se conhecem, que têm empatia e responsabilidade. De certa forma, é um contrato de gaveta. No nosso, a gente não pretende ter uma projeção hierárquica. Uma vez eleita, é uma gestão compartilhada, projetos de lei decididos pelas três” diz.
Mais chance de vitória
As candidaturas coletivas são em maioria uma opção de partidos do campo da esquerda. De acordo com o Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV, a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o PSOL teve 99 candidaturas deste tipo concorrendo nas eleições de 2020, em todo país. Um recorde. O PT ficou em segundo lugar, com 51 coletivos.
Este ano, a federação formada por PSOL e Rede pretende lançar na Bahia, ao todo, 97 candidaturas a deputado federal e estadual, mas ainda não se sabe quantas serão em formato coletivo.
Para Sérgio Praça, essa inovação reflete também a dificuldade de promover uma campanha política no país. “É muito difícil se eleger no Brasil, num sistema muito competitivo, com muitas candidaturas, muitos candidatos com recursos financeiros próprios. Então, pessoas que não têm tantos recursos podem se juntar em candidaturas coletivas para melhorar as chances de eleição”, explica.
O cientista político também destaca que essas candidaturas quase sempre têm raiz na “sociedade civil, em movimentos sociais que já existem e com forte penetração dos partidos de esquerda”. A pauta progressista inclui geralmente a defesa das questões de identidade e das minorias.
No caso da candidatura coletiva liderada por Lisdeili, o fato de reunir só mulheres é simbólico e revela uma crise de representatividade política.
“Nós, mulheres, temos dificuldade até para ser candidata. A paridade eleitoral ainda é uma construção. Nos partidos de esquerda estão colocando 50% de candidaturas femininas, mas os partidos de direita ainda são 30%”, diz.
A candidata alerta que a maioria das candidaturas coletivas é formada por mulheres. “Acaba sendo uma união para romper as barreiras da exclusão, que é muito grande no campo eleitoral”.
Case de sucesso
O surgimento de novas candidaturas coletivas na Bahia tem sido impulsionado pelo mandato das “Pretas por Salvador”, eleito em 2020 pelo PSOL para a Câmara Municipal. O coletivo formado por Laina Crisóstomo, Cleide Coutinho e Gleide Davis foi o primeiro eleito na história das eleições na Bahia. Hoje, é um dos dois grupos formados só por mulheres negras, entre os 27 mandatos coletivos no país.
Mandato das "Pretas por Salvador" é liderado por Laina Crisóstomo (ao centro)
Laina, que oficialmente ocupa a função de vereadora, revela que o conflito de opiniões existe, mas que faz parte do processo coletivo. “Os projetos de lei que apresentamos atravessam a pauta das três mulheres, que, embora negras, têm suas particularidades. Elas [Gleide e Cleide] conseguem participar das reuniões, mas ainda temos a limitação da fala em plenário. Mas, em todos os espaços, nós temos recebido acolhimento nesse processo”, explica.
Agora, o trio entra em campanha novamente. Laina vai tentar individualmente uma vaga na Câmara Federal, assim como Gleide para Assembleia Legislativa. Já Cleide vai disputar uma vaga como deputada estadual por meio de uma nova candidatura coletiva, formada por quatro mulheres.
“Se nada der certo, a gente retorna à Câmara Municipal. A coletividade é um desafio, porque a gente vive numa sociedade capitalista que estimula a rivalidade, especialmente entre as mulheres. Mas o grande desafio é trazer para a política institucional o que a gente já faz nos movimentos sociais, que é a pauta coletiva, é a luta coletiva”, enfatiza.