A morte de Dom Phillips e Bruno Araújo é a clara ausência de uma consciência histórica e política do povo brasileiro. Vivemos continuamente nesta vulnerabilidade instrumentária, exercendo a função de ser a grande cozinha e o banheiro do mundo.
A síndrome do colonizado se solidificou na nossa organização política e econômica e desde o descobrimento do território brasileiro, perpetuou a extração desenfreada dos nossos recursos naturais. Desta forma o “pós-materialismo” do Norte depende do materialismo do sul (mineração, agricultura e manufatura).
Nossa legislação se adaptou e estruturou sob a batuta da organização estatal-capitalista da natureza, negando os exploradores em receber os custos caros da fugaz exploração.
As externalidades negativas ambientais são descarregadas prioritariamente nas comunidades racializadas pelo sistema capitalista. As populações indígenas são os primeiros receberem o ônus da exploração e cada século, décadas são desterritorializadas, comprimidos em reservas ambientais, para atenderem sob sentença de morte a lógica exploratória neoliberal.
Seja chinês, seja europeu, grandes centros da economia, seja que espectro econômico for, continuam economizando seus recursos naturais, enquanto aumentam severamente a exploração nos países periféricos como o Brasil. Nancy Fraser[1] pontua perfeitamente que o pomposo Norte Global intensifica, cada vez mais, a emissão de carbono, assim como acentua as viagens aéreas, consumo de carne e produção de cimento.
E as externalidades negativas desta secular exploração? São nossas! Já amargamos as crises sociais, sanitárias e colecionamos vergonhosamente perante o mundo, os assassinatos dos que tem coragem de defenderem os indígenas, assim como a biodiversidade brasileira.
Mas usar o Brasil como o “banheiro do mundo” deixando seus resíduos, os quais afetam prioritariamente os brasileiros mais vulneráveis, não é um problema inteiramente apenas deste país.
As nações exploradoras sabem muito bem disso, isto é, que os males da exploração desenfreada são transnacionais, ou seja, importa a todo o planeta Terra. O oikos (casa) é uma só!
Esta lógica neoliberal “idiota” para não dizer gananciosa ou suicida, ignora a absorção dos resíduos e exploração desenfreada de recursos naturais, despreza as consequências ambientais, as quais todos sabem perfeitamente que são transnacionais.
Brasil acorda! Este país não pode ser regido somente em benefício de um capitalismo financeirizado e globalizado, enquanto os males de sua exploração são compartilhados principalmente com os povos originais e os mais pobres.
Vamos deixar de sermos os vira-latas que vivem das migalhas.
Com subterfúgios de “melhoramentos” genéticos a biotecnologia tem formas silenciosas, insidiosas e engenhosas de monopolizar nossa biodiversidade. Olha a Monsanto deliberadamente projetando sementes estéreis.
Nossos heróis Dom Phillips, Bruno Araújo, Chico Mendes, Dorathy Stang derramaram seu sangue para simplesmente gritarem ao mundo que o Brasil é o resultado de uma mistura de superlucros para um Norte Global e ao mesmo tempo um banheiro de misérias para seu povo, levando ao aumento dramático das dívidas de pequenos agricultores ao suicídio, poluição extrema nas grandes cidades, hiperextrativismo no campo e vulnerabilidades sociais de todas as ordens e o desproporcional, cada vez maior, de impactos letais do aquecimento global.
"Não devemos ser lenientes e coniventes com as mortes de nossos heróis."
Lisdeili Nobre - Doutoranda em Políticas Sociais, docente, delegada de polícia e ativista social.
Contato: [email protected]