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Número de homicídios voltou a aumentar no País.

Enquanto isso, segurança pública vive momento de politização extrema e de divergências nas políticas efetivas de prevenção e enfrentamento da violência.

Carlos Nascimento
Por: Carlos Nascimento
13/05/2020 às 10h49
 Número de homicídios voltou a aumentar no País.

A formulação e a implementação de políticas de prevenção da violência e da criminalidade deveriam ser a principal preocupação dos gestores da segurança pública do país, ainda mais diante do crescimento pelo sétimo mês consecutivo nos índices nacionais de crimes violentos intencionais (homicídios, lesões seguidas de morte e latrocínio), apontado pelo Monitor da Violência, parceria do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o G1 e o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, e das dificuldades de atendimento postas pela radical transformação social provocada pela COVID-19, que, entre outros fenômenos, fez crescer em mais de 430% as denúncias de brigas de vizinhos e violência doméstica durante a pandemia.

Todavia, em uma breve análise de conjuntura, os últimos dias têm sido marcados por múltiplas pressões e demandas políticas que tiram o foco do problema central e diminuem a capacidade de respostas coordenadas e articuladas frente à violência, ao medo e ao crime. O primeiro e mais visível desses problemas é, sem dúvida, a discussão do aparelhamento da Polícia Federal pelo governo de Jair Bolsonaro, que teve início com o pedido de demissão do ex-ministro Sergio Moro do cargo de Ministro da Justiça e Segurança Pública, no dia 24 de abril.

Sergio Moro acusou Jair Bolsonaro de interferir na Polícia Federal ao pedir a demissão do então diretor-geral, Maurício Valeixo, e tentar substituir o Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, que é a unidade responsável por diversas investigações que, em tese, poderiam atingir o núcleo familiar do presidente. Ao sair atirando, Sergio Moro explicitou que a instrumentalização da Polícia Federal é um risco que há muito tem preocupado os operadores da área.

É verdade que, desde 2003, quando o delegado Paulo Lacerda deu início, com apoio do falecido ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, a um amplo projeto de modernização da PF, com a contratação de novos quadros e investimento em tecnologia e inovação, a corporação reforçou seu projeto institucional de independência e autonomia. Em tese, esse projeto, mesmo com fortes constrangimentos financeiros nos últimos anos, continua sendo a melhor blindagem ao uso político da corporação. A Polícia Federal assumiu, felizmente, a identidade de uma corporação profissional e de Estado, com diversas investigações que desbarataram grandes quadrilhas de corrupção e lavagem de dinheiro.

Porém, também é fato que é sabido pelos políticos o caráter estratégico de ter um aliado na direção geral da corporação, na medida em que, mesmo arredia a influências diretas, a PF tem uma estrutura organizacional que dá grande poder ao diretor-geral e aos superintendentes, que podem, no limite, nomear delegados para investigações específicas e/ou fixar os recursos logísticos que cada inquérito poderá contar. Isso mostra que nenhuma instituição é imune ao uso político e, desse modo, a crise envolvendo o presidente Bolsonaro está longe de acabar.

Ao mesmo tempo, a proximidade da polícia com a política é um fato normal da vida republicana, mas, quando não regulado e regrado, abre espaço para potenciais conflitos de interesse, dúvidas e indicações políticas. Não há indicadores transparentes e métricas de sucesso que sejam tecnicamente robustas e que poderiam fortalecer mecanismos independentes de controle e supervisão que viabilizariam a ideia dos mandatos para os cargos de direção das polícias sem, no entanto, a delegação de poderes absolutos para uma instituição de força.

Assim, a amizade entre policiais e políticos ocorre, por exemplo, entre o delegado Alexandre Ramagem, que teve sua nomeação suspensa pelo STF exatamente por manter relações de amizade com os filhos do presidente. Mas também ocorre com situações menos midiáticas, como a do delegado Rodrigo Piovesan Bartolomei, que teve o nome  lembrado para ocupar a Superintendência da PF no Rio de Janeiro após a posse do ministro André Mendonça.

O delegado Bartolomei foi o encarregado por investigar o sumiço do celular do ministro André Mendonça, à época na AGU. Naquele momento, o delegado disse inicialmente que o celular pertencia a um delegado de nome Ricardo, que coincidentemente é o nome do então Superintendente no RJ, Ricardo Saadi, que agora é um dos ouvidos no inquérito conduzido pelo STF para apurar possíveis crimes relatados pelo ex-ministro Sergio Moro. Quando a política entra nas polícias, carreiras podem ser comprometidas e tudo vira uma enorme zona de sombras e desconfianças, como nos filmes de conspiração e espionagem de Hollywood.

E esse clima de disputa e confusão entre polícia e política não fica circunscrito à Polícia Federal. Aliás, de modo bastante intenso e já descrito em várias edições anteriores do Fonte Segura, a politização das polícias é um fato que afeta todas as instituições previstas no Artigo 144 da Constituição Federal, com destaque, até pelo tamanho dos seus efetivos, para as Polícias Militares estaduais. A eleição de muitos policiais que saíram diretamente do serviço ativo para o exercício de mandatos políticos é uma das facetas mais visíveis. Muitos são os policiais que conectam suas carreiras nas corporações com a defesa de projetos políticos e eleitorais específicos.

Mas, se olharmos com detalhes, o número de policiais que se candidataram a tais cargos e não foram eleitos chega à casa de milhares no país e é um dilema organizacional gigantesco para o bom planejamento e supervisão da atividade policial cotidiana. Ou seja, uma vez não eleitos, a maioria desses mesmos profissionais, que não estão sujeitos a regras de quarentena, voltam para as suas corporações, que têm, por sua vez, que gerir demandas de segurança pública e pressões internas sobre os rumos das políticas públicas. O motim da PM no Ceará, no longínquo mês de fevereiro deste ano, é uma evidência de que, sob o argumento legítimo por valorização profissional, alguns policiais políticos pressionam os comandos e as autoridades em nome de interesses mais de caráter eleitoral do que exatamente das carreiras.

Entretanto, não só usos políticos e interesses eleitorais estão presentes no frágil equilíbrio de forças da segurança pública brasileira. Também temos que considerar demandas históricas das diversas carreiras e corporações da área. Vale lembrar que, em razão da falta de habilidade do ex-ministro Sergio Moro que, ao montar sua equipe no começo de 2019, não incluiu nenhum policial militar em cargos de direção do MJSP, ajudou a criar um clima de animosidade entre o ministério e as forças estaduais que foi, mais recentemente, explorado pelo presidente Bolsonaro, que tem vínculos históricos com os representantes de tais corporações desde a época de seus quase 30 anos como deputado federal.

Isso deve fortalecer as pautas de interesse das PM. A demissão de Sergio Moro provocou a saída do General Guilherme Theophilo da SENASP (Secretaria Nacional de Segurança Pública) e a indicação, ainda não confirmada, do Coronel PM Araújo Gomes, da Polícia Militar de Santa Catarina, para a pasta. Araújo Gomes era até então o Comandante da Policia Militar de Santa Catarina e presidia o Conselho de Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros do país. Hábil negociador político, sua gestão à frente da SENASP, se confirmada, deve tentar fazer avançar a adoção dos Termos Circunstanciados de Ocorrência por parte das PMs, na ideia de reduzir a dependência das mesmas em relação à Polícia Civil, que é quem detêm a prerrogativa de conduzir inquéritos e investigações criminais de natureza não militar.

Mas, em resumo, se o momento da segurança pública revela um quadro de politização extrema e de falta de foco nas políticas efetivas de prevenção e enfrentamento da violência e da criminalidade, é imperioso destacar que o Brasil conta com diversos policiais amplamente qualificados e que merecem respeito e valorização. O drama é que, somado à incerteza político-institucional que toma conta do país, há um reforço de um modelo que funciona como um sistema de vetos perfeito, que impossibilita mudanças estruturais e estimula conflitos. Uma saída que poderia ser articulada seria a costura de um amplo e único projeto de lei orgânica das polícias brasileiras, que regulamentasse, enfim, o parágrafo sétimo do Artigo 144 da CF.

Hoje cada polícia batalha por uma lei orgânica própria, mas, se pensarmos de modo coordenado, um único projeto pode contemplar pontos comuns da gestão das polícias e, ao mesmo tempo, garantir as especificidades de cada corporação, deixando mais claros os mandatos, as competências, o grau de autonomia, as regras de quarentena e transição entre as carreiras policiais e a política, bem como os mecanismos de supervisão de cada uma delas. Só assim deixaríamos de lado as disputas e poderíamos focar em reduzir a violência no país.

Renato Sérgio de Lima

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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