Por Carlos Zacarias de Sena Júnior
No último domingo milhares de argentinos saíram às ruas de Buenos Aires no Dia da Memória. Sob o lema “Hoje mais do que nunca, nunca mais”, nossos vizinhos marcharam em memória dos 48 anos de implantação da Ditadura Militar (1976-1983) no país.
Sobre as manifestações, que encheram a Plaza de Mayo, o prêmio Nobel Adolfo Pérez Esquivel falou, referindo-se ao governo de Javier Milei: “é o grito de rebeldia de um povo frente a um governo fascista que quer destruir a pátria”.
No próximo domingo o Brasil se recorda do golpe de 1964. Entre 2019 e 2022 Bolsonaro e seus generais fazerem troça e ordens do dia, celebrando um regime que assassinou, torturou e baniu opositores. Hoje o presidente é Lula, um ex-operário e líder sindical, também vítima da ditadura, mas nem por isso o país se dará ao trabalho de rememorar o golpe que faz 60 anos.
Diferente da Argentina, que contou cerca de 30 mil mortos durante a ditadura, o Brasil contabilizou 434 vítimas, segundo dados da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Apesar dos números “modestos” em comparação às ditaduras do Cone Sul, a Ditadura Militar brasileira deu cabo de muito mais gente. Cerca de 8 mil indígenas foram mortos, além de 200 mil pessoas que foram presas, 500 mil investigadas, 10 mil torturadas e outras milhares assassinadas pela violência policial indiscriminada, que continua imperando no país. O legado da ditadura é quase tão nefasto quanto o próprio regime.
É estarrecedor que o presidente Lula tenha dito que 1964 faz parte da história e que não pretende ficar “remoendo” o passado. A questão é que esse passado não vai passar enquanto Lula não cumprir a promessa de recriar a Comissão de Mortos e Desaparecidos, extinta por Bolsonaro, e enquanto os governos continuarem insistindo em silenciar sobre esses eventos traumáticos, apenas para não irritar os militares.
Costuma-se dizer que o Brasil é um país sem memória, mas tão importante quanto lamentar nossa amnésia, é constatar que o esquecimento estimulado é impeditivo para a promoção de justiça.
O Brasil não condenou os criminosos da Ditadura, mas o exemplo dos hermanos devia nos valer. Em 1985 a Argentina mandou para a cadeia nove generais que governaram o pais, inclusive o carniceiro Videla. O fato de os argentinos elegerem Milei, contudo, é prova de que apenas educar os mais jovens e promover justiça não é suficiente para impedir novas ameaças. No entanto, sem garantias de que haja antídotos para candidatos a ditador, é quase certo de que líderes autoritários serão recorrentes tanto mais permaneçamos negligenciando a memória e a justiça.
Como disse Julio Strassera, procurador que propôs a sentença que terminou por condenar os criminosos argentinos, o que buscamos é “uma paz baseada não no esquecimento, mas na memória. Não na violência, mas na justiça. Esta é nossa oportunidade. Talvez seja a última”. Ditadura, nunca mais!
*Carlos Zacarias de Sena Júnior, graduado em História pela Universidade Católica do Salvador (1993), mestre em História pela Universidade Federal da Bahia (1998) e doutor também em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2007), Professor do Departamento de História da UFBA.
Contato: [email protected]