O dia 24 de junho de 1935, dia dos fogos de São João, não foi um dia de festejo para os amantes da música popular do mundo, e, claro, tampouco para os tangueiros do Brasil. Nesse dia joanino, às 15 horas, o fogo teve um trágico protagonismo, quando envolto nas chamas da aeronave Ford Trimotor F.31 perdeu a vida o maior cantor de tangos, o mito imortal de Buenos Aires, Carlos Gardel, e também os seus acompanhantes, os guitarristas Guillermo Barbieri e Angel Domingo Riverol (faleceu dois dias depois a causa das queimaduras) no acidente no Aeroporto de Medellín, na Colômbia.
O único sobrevivente foi o outro integrante da comitiva, o também guitarrista José Maria Aguilar, que após o acidente não pode dar continuidade à sua carreira. O grupo, que tinha partido de Nova Iorque para promover os seus filmes, estava em gira visitando Porto Rico, Venezuela, Aruba, Curaçao, vindo nesse dia de Bogotá e indo para Cali, fazendo escala técnica na cidade que a partir da trágica morte de Gardel seria uma das principais cidades de enaltecimento do tango no mundo.
Mas vamos nos referir aqui ao outro integrante que também perdeu a vida nesse fatídico dia dos fogos de São João: Alfredo Le Pera, o maior letrista de Carlos Gardel, autor de famosíssimos tangos, dentre os quais: Mi Buenos Aires querido, El dia que me quieras, Volver, Rubias de New York, Melodia de Arrabal, Sus ojos se cerraron, Golondrinas, Por una cabeza, além de roteirista de vários dos seus exitosos filmes como Cuesta Abajo (1934), El Tango en Broadway (1934), Tango Bar (1935), realizados nos EUA pela Paramount.
Filho de imigrantes italianos do sul da Itália, Maria Sorrentino Moreno e Alfonso Francisco de Paula Le Pera, nasceu em junho de 1900 (não há acordo sobre a data exata, possivelmente entre 4 e 8 de junho) no bairro do Bixiga, em São Paulo. Os Le Pera chegaram a Buenos Aires em 1898 e em 1900 partiram para o Rio de Janeiro a negócios. No retorno, Maria, nos seus últimos meses de gravidez, deu à luz a Alfredo em São Paulo e dois meses depois regressaram a Buenos Aires. Um dado curioso é que em 1926, por meio de um decreto do então presidente Artur Bernardes, Le Pera perdeu a cidadania brasileira por haver se naturalizado argentino.
Jornalista, autor de teatro, viajou pela Europa desempenhando-se como roteirista de cinema e começou a trabalhar com Gardel nos Estados Unidos em 1932 e de maneira exclusiva em 1934. Uma das mais frutíferas e famosas parcerias da história da música popular mundial durou pouco tempo, mas o suficiente para eternizar a dupla de um francês que chegou em Buenos Aires com dois anos e meio e um brasileiro com dois meses de vida. O Tango não seria o mesmo sem esses dois argentinos.
Carlos Pronzato - Cineasta, diretor teatral, poeta e escritor.
Sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB)
Contato: [email protected]
A minha coluna quinzenal no jornal A Tarde, da Bahia. 25.06.2024