Uma análise fria dos números das eleições do último domingo, não deixa dúvidas: o Brasil não virou à direita, nem muito menos à esquerda, mas ao centro. Ou melhor, ao Centrão. Para um país que há dez anos pretendia combater a velha política e derrotar o sistema, não deixa de ser um revés, pois foram justamente os políticos e a política mais tradicional os grandes vitoriosos das eleições de 2024.
O PSD, por exemplo, partido de Gilberto Kassab, que compõe o governo de Tarcísio de Freitas (Rep) em São Paulo e integra o ministério do presidente Lula (PT), sendo também a principal base de sustentação do governador baiano Jerônimo Rodrigues (PT), através do senador Otto Alencar, elegeu 877 prefeitos. O ranking dos mandatários municipais eleitos em 2024 tem o MDB em segundo, seguido do PP, do União Brasil e do PL, todos partidos com algum nível de fisiologismo, inclusive o PL, que abriga o ex-presidente inelegível Jair Bolsonaro, mas é mesmo o partido de Valdemar Costa Neto, que dispensa apresentações.
Na lista dos dez partidos que mais elegeram prefeitos em 2024, o PT é apenas o nono, fechando o primeiro turno com 248 prefeituras, 69 a mais do que tinha em 2020, podendo somar mais 13. É verdade que o pior momento vivido pelo partido de Lula pode ter ficado para trás, mas apenas do ponto de vista dos números. Se ajustarmos a lente que nos permita enxergar o que efetivamente aconteceu, a extrema direita se fortaleceu e só mesmo o autoengano, como expressado pelo ministro Alexandre Padilha, pela presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann e pelos dirigentes petistas baianos, que se pode dizer que há algo a comemorar.
Apesar do que foi dito, o Brasil não é um país conservador ou de direita, e mesmo não sendo de esquerda, nem tampouco do Centrão (a não ser pelos números), não há como negar que a esquerda hegemônica, ou seja, o PT, foi derrotada em 2024. E não importa que tenha crescido em relação a 2020, que tenha Boulos (PSOL) no segundo turno em São Paulo ou que tenha tido um bom desempenho com o psolista Kleber Rosa em Salvador, que, aliás, superou Geraldo Júnior (MDB), apoiado pelo PT. A esquerda foi derrotada porque não entrou em campo, perdeu por W.O.
A esquerda deixou de defender bandeiras, de apresentar projetos, renunciando ao papel que devia cumprir, que é o de educar os trabalhadores e trabalhadoras, de levar consciência aos subalternizados, de ajudar a desfazer ilusões, derrubar os mitos e combater as falsas ideologias, sendo, sobretudo, antissistema.
Abandonando o terreno da disputa ideológica, a esquerda, hegemonizada pelo PT, renunciou a lutar pelo que efetivamente importa. Preferiu comemorar as vitórias ao lado do Centrão, no pântano da política que um dia jurou combater. A continuar nesse ritmo, poder vir a desaparecer. Poucos vão chorar sua morte, pois há de ser semente, para o que está por vir. Eu acredito.
*Carlos Zacarias de Sena Júnior, graduado em História pela Universidade Católica do Salvador (1993), mestre em História pela Universidade Federal da Bahia (1998) e doutor também em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2007).
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Publicado no Jornal A Tarde, (Coluna do autor), edição de 11/10/2024